quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Mon Animal

MON ANIMAL

Eu a vejo quase todas as manhãs.Não é exatamente bonita.Aliás, ela é de uma feiúra estranha como se carregasse uma boniteza espalhada em si,nos gestos e não nos traços exatamente. Não importa.
Importa é que a vejo acompanhada perenemente pelo seu cão. Um pastor alemão com cara de bom companheiro. É o que vejo. Olha a muito, encaixa seu focinho entre os joelhos dela, gane querendo dengo. Ela também, essa minha vizinha de uns quarenta e vividos anos, brinca de não-solidão com esse cachorro específico; gosta dele, ri:
- Não Duque, assim não, deixa o moço, Duque, me espere. Não vá na minha frente assim, cuidado com o carro, menino.
Ele a olha como quem agradece. E vão os dois, não em vão, pelas ruas de Copacabana sob o sol felizes que só vendo. Eu vejo.
Ela é camelô; nos encontramos no elevador e eu:
-Vocês se divertem tanto, é tão bonito.
-É, nos conhecemos na rua. Ele olhou pra mim bem nos meus olhos. Eu estava trabalhando. Vi logo que era um cão bem cuidado fisicamente, mas faltava, mas faltava-lhe carinho. Deixei minhas bugigangas (ela vende coisas que querem imitar jóias antigas) por não sei quanto tempo e fiquei agachada na calçada da Avenida Nossa Senhora, só namorando ele. Decidimos que ele viria morar comigo. Naturalmente. Tudo aconteceu “naturalmente”, ela frisou, como se quisesse dissipar de qualquer de mim qualquer sombra de suspeita de um possível roubo.
Noutro dia, no mesmo elevador ela com seu carrinho de balangandãs, eu e o Duque. O elevador apertado e ela continuou, à moda feminina, a conversa do último elevador nosso:
-Tenho certeza que ele é de Câncer. É muito sensível, só falta falar, né Duque?....ele na é lindo.
-Lindíssimo. E você que signo é?
-Ah, eu sou Capricórnio, mas com ascendente em Câncer, combina sim.
Eu vejo Duque lambendo as mãos dela, as magras mãos cujos dedos ela oferecia de propósito à “imordida” dele. Eu olho admirando receosa por conta dos afiados dedos dele.Quase não entendo de cães.
-Ah, você tem medo...ô...não ofenda ele; Duque entende pensamentos e não gostou do que você pensou.Jamais me morderia, jamais me trairia.Né Duque?
Senti o pensamento de Duque latindo que jamais a trairia. Achei bonito. Chegamos.
-Tchau, bom trabalho.Tchau Duque.
Fui para a rua pensando longamente nos dois,. Depois pensei nos mistérios da astrologia e perdi o fio do meu pensamento. Ao final da tarde avistei o crepúsculo na praia.
Depois vi os dois voltando sorridentes e caninos, sob a noite estrelada; ela com fitas de vídeo penduradas ao braço; sempre conversando com ele.
Tenho inveja de Ângela. Essa é que é a verdade. O animal que eu quero não mora comigo, não almoça mais comigo,não brinca mais, não me telefona, não me adivinha os pensamentos, não me acompanha ao crepúsculo, não gane querendo dengo, nossos signos parecem não mais combinar. O animal que eu quero, pensa demais e por isso não passeia mais comigo.
E o pior, não me lambe mais.

Elisa Lucinda.